Normas acústicas italianas para escolas são inovadoras

Em 2020, o trabalho incansável da Professora Arianna Astolfi no campo da acústica resultou na publicação de uma norma acústica italiana para escolas, UNI 11532-2. Esta norma foi inovadora por incluir amplos parâmetros acústicos, garantindo uma excelente comunicação e percepção de fala na sala de aula. O cumprimento da norma é agora um requisito legal para todas escolas públicas na Itália, incluindo a escola que os filhos da Arianna frequentam em sua cidade natal de Turim.

Nós a entrevistamos para saber mais sobre como alcançou o objetivo de criar um melhor ambiente sonoro para as crianças da Itália. Esta vitória vai além das fronteiras nacionais ao ter uma relevância global. Além de melhorar diretamente a aprendizagem e bem-estar das crianças (que são de grande importância para Arianna), esta norma baseada em dados científicos fornece também uma orientação acústica para o resto do mundo seguir.

Professora Arianna Astolfi

Como você encontrou o seu caminho para o campo da acústica?

“Quando eu era uma aluna de pós-graduação nos anos 90, a acústica não era considerada muito importante. Eu estudei a física de edifícios na Universidade Politécnica de Turim, e minha pesquisa foi focada no conforto ambiental de maneira mais ampla – não só o som, mas também a iluminação, a qualidade do ar interior e a ventilação. Eu queria saber como estes aspectos afetam a eficiência dos edifícios. Depois disso, comecei a me concentrar principalmente no conforto acústico, pois a acústica é tão importante quanto a iluminação ou qualidade do ar, e talvez mais difícil ainda de ser tratada. Se você sentir frio, pode colocar uma roupa, se estiver com calor, pode abrir a janela. Mas no caso do conforto acústico, é complicado mudar a sala inteira para torná-la mais confortável.”

O que te levou a dedicar sua carreira  aos ambientes escolares?

“Quando meus filhos estavam nos primeiros anos de escola, reclamavam muito da dificuldade que tinham para escutar os professores. O ambiente sonoro era terrível e os confundia durante as aulas.

Sei que em Turim, como no resto do mundo, temos muitos edifícios antigos que foram projetados sem pensar muito em como o ambiente afeta seus usuários. Por isso, primeiro como uma mãe preocupada, decidi perguntar aos professores sobre os problemas que encaravam cotidianamente. Eles me convidaram a participar de suas aulas para que eu pudesse compreender melhor – não se consegue verdadeiramente compreender a situação se não estiver no ambiente. 

Descobri que era muito estressante ter aulas em uma escola de educação infantil, pois a acústica era péssima. O que me levou a este campo de estudo foi realmente esta experiência pessoal como mãe, buscando as melhores condições de aprendizado para os meus filhos, contudo, foi também por esta experiência sonora nestes ambientes escolares que os professores tem que enfrentar todos os dias.

Após isto, fui atrás deste tópico como pesquisadora. Avaliei o ambiente sonoro em 51% das salas de aula do fundamental e vi como afetavam o desempenho e concentração de alunos. Curiosamente, descobrimos que conversas entre alunos era o som mais incômodo, e que sons intermitentes, como os vindos de sapatos, eram mais incômodos do que os ruídos constantes. Em 2008, isto levou a um artigo muito citado sobre a acústica nas salas de aula.”

Como você começou a influenciar mais diretamente a acústica em escolas e a desenvolver a norma?

“A princípio, comecei a trabalhar com a província de Turim em um projeto para supervisionar e até auxiliar a reforma de escolas da região. O mais importante era ter nossos dados retirados da realidade cotidiana e não de um estudo de laboratório.

Nós também lançamos o projeto EU ESCUTO (IO ASCALTO), que buscou ajudar, através da boa acústica, crianças com dislexia. Há uma sólida base teórica para esta relação entre dislexia e processamento auditivo no cérebro. Relação que resulta em uma incompatibilidade entre o ritmo da fala e sua ativação neural. Pensamos que deve haver uma razão concreta para acreditar que a melhora acústica do ambiente, além de um treinamento auditivo, pode ajudar a tratar a dislexia.

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Descobrimos que o tempo de reverberação influencia a fala e a audição. Durante três estudos, apareceu de forma consistente que tempos de reverberação um pouco maiores (em torno de 0.75 segundos) eram benéficos para a fala dos professores.

Arianna Astolfi

Também comecei a trabalhar no monitoramento de voz dos professores, pois parecia claro que os professores (com que conversei) sofriam muito com suas vozes. Desenvolvemos um aparelho que foi usado para monitorar o comportamento vocal durante o ensino, usando-o para descobrir quais condições acústicas são as ideais para que os professores não tenham que forçar a voz.

Descobrimos que o tempo de reverberação influencia a fala e a audição. Durante três estudos, apareceu de forma consistente que tempos de reverberação um pouco maiores (em torno de 0.75 segundos) eram benéficos para a fala dos professores. Estes sentiam como se suas vozes fossem ampliadas.

Tempos de reverberação muito baixos resultaram em uma falta de apoio para a voz. Os tempos de reverberação maiores que 0.75 segundos, porém, também aumentam o nível sonoro na sala de aula por causa do efeito Lombard, resultando em um aumento do ruído. Isto não foi bom para os professores nem para os alunos. O objetivo era alcançar o equilíbrio entre a audição dos alunos e a voz dos professores. No final das contas, a norma italiana recomenda um tempo de reverberação de aproximadamente 0.56 segundos para uma sala de 60 m2, o que é até um valor baixo, mas não tanto que deixe o professor desconfortável. Como dito, é um meio-termo.”

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Partes de minha pesquisa descobriram uma relação entre a clareza da fala (C50) e velocidade de leitura nas crianças. Decidi então desenvolver a base científica para incluir isto na norma, que ainda está evoluindo.

Arianna Astolfi

A norma italiana se concentra também em outros parâmetros além do tempo de reverberação. Podia me dizer mais por que decidiu incluir estes?

“Partes de minha pesquisa descobriram uma relação entre a clareza da fala (C50) e a velocidade de leitura nas crianças. Decidi então desenvolver a base científica para incluir isto na norma, que ainda está evoluindo. A maioria das normas se dedicam apenas ao tempo de reverberação que por mais que esteja relacionado com a clareza da fala, não é mais importante do que esta. A clareza de fala, do ponto de vista acústico, é essencial para a sala de aula, justamente pela importância da boa comunicação para o aprendizado. Nós não podemos, então, ignorá-la como fazem tantas outras normas.

A clareza da fala é também relacionada aos primeiros ecos que ocorrem em um ambiente, ecos que influenciam diretamente a fala. Os cálculos de tempo de reverberação, porém, ignoram esta parte da curva de resposta ao impulso. Portanto, ter o tempo de reverberação como único parâmetro para avaliar uma sala de aula acaba apresentando um relatório incompleto. Precisamos de parâmetros que considerem tanto os ecos que ocorrem no princípio, como os ecos tardios, para que assim possamos otimizar os ambientes de aprendizado.

Esta norma é também a primeira a definir um nível de ruído máximo vindo de ambientes exteriores e equipamentos. Estes dados precisam ser medido durante as aulas da semana. É uma grande tarefa, mas fundamental para limitar que o som se propague para fora do edifício, coisa que pode afetar muito os ambientes de aprendizado.”

Como você conseguiu que esta norma se tornasse parte do código para construção na Itália?

“Trabalhando junto com a Sociedade de Acústica da Itália, dedicamos dois anos para convencer os políticos a olharem objetivamente para a ciência que há por trás de haver maior conforto no interior de edifícios públicos. Ao longo do tempo, eles se conscientizaram destes problemas ao perceberem que havia uma base de evidências sólida e, enfim, permitiram que a verdade da situação influenciasse a política pública.

Não foi fácil, mas nos recusamos a desistir! Eles, no final das contas, reconheceram que é importante para todas as crianças que exista esta norma nas escolas. Levou 15 anos para fornecer a eles tanto a evidência para o problema quanto a solução, mas no final das contas foi um sucesso.”

Quais são os próximos passos?

“Eu vou continuar a me esforçar o quanto puder para resolver os problemas acústicos na Itália, junto a Sociedade de Acústica da Itália. Quero aumentar a conscientização destes problemas, ampliando a visão que os italianos tem da acústica, com a intenção de incluir agentes da Indústria e de outros campos de pesquisa.

Para fazer isto, estou atualmente organizando na Itália uma conferência sobre a acústica chamada Forum Acusticum, que acontecerá de 11 a 15 de setembro de 2023, convidei partes interessadas de diferentes contextos. Através desta conferência queremos alcançar maior divulgação das questões acústicas, alcançando também os meios de comunicação. É uma época bem promissora para acústica na Itália.”

Leia algumas das publicações da Professora Astolfi acessando a lista no ResearchGate.

Para mais informações sobre a norma italiana, acesse nosso artigo no Acoustic Bulletin.

 

Texto: Douglas MacCutcheon